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On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life
Charles Darwin
(1859)

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A Origem das Espécies Através da Seleção Natural A Origem das Espécies Através da Seleção Natural
RESENHA HISTÓRICARESENHA HISTÓRICA
Traçarei aqui um breve esboço acerca do progresso da opinião sobre a origem das espécies. Muito recentemente, a grande maioria dos naturalistas ainda acreditava que as espécies eram produções imutáveis e tinham sido criadas separadamente. Esta teoria foi habilmente sustentada por muitos autores. Por outro lado, alguns naturalistas acreditavam que as espécies sofrem modificações, e que as formas de vida existentes são descendentes de formas preexistentes por geração ordinária (sexuada). Se pusermos de lado as alusões feitas pelos escritores clássicos [1], o primeiro autor que tratou este assunto com um espírito científico nos tempos modernos foi George-Louis Leclerc, Conde de Buffon. Mas, como as suas opiniões variaram muito em períodos diferentes, e como ele não se refere às causas nem aos meios de transformação das espécies, não necessito de entrar aqui em detalhes sobre os seus pontos de vista.

Jean-Baptiste Lamarck foi o primeiro a despertar grande atenção para o assunto, devido às conclusões a que chegou. Este naturalista, merecidamente célebre, publicou as suas teorias pela primeira vez em 1801. Desenvolveu-as bastante em 1809, na sua Filosofia Zoológica [2], mais tarde, em 1815, na introdução à sua Histoire Naturelle des Animaux sans Vertèbres. Nestas obras, sustenta a doutrina de que todas as espécies, incluindo o homem, descendem de outras espécies. Foi o primeiro a prestar o eminente serviço de chamar a atenção para a probabilidade de todas as mudanças no mundo orgânico, tal como no inorgânico, resultarem de uma lei, e não de uma intervenção miraculosa. Lamarck parece ter sido conduzido à conclusão de que as espécies se modificam gradualmente, principalmente pelos seguintes motivos: a dificuldade em distinguir espécies e variedades; a quase perfeita gradação de formas em certos grupos; e a analogia das produções domésticas. No que respeita aos meios de modificação, atribuiu alguma importância à ação direta das condições físicas de vida e ao cruzamento das formas já existentes, e muita importância ao uso e ao desuso, ou seja, aos efeitos do hábito. O autor parecia atribuir a esta última causa todas as belas adaptações na natureza, como o longo pescoço da girafa, que lhe permite ‘pastar’ nos ramos das árvores. Mas acreditava igualmente numa lei do desenvolvimento progressivo; assim, todas as formas de vida tendem a progredir, e Lamarck tenta justificar a existência atual de seres vivos simples afirmando que estas formas são criadas por geração espontânea [3].

Como consta da sua biografia, La Vie d’Étienne Geoffroy Saint-Hilaire, escrita pelo seu filho, já em 1795 Geoffroy suspeitava que aquilo a que chamamos espécies são várias degenerações do mesmo tipo. Contudo, só em 1828 publicou a sua convicção de que as mesmas formas não tinham sido perpetuadas desde a origem de todas as coisas. Geoffroy parece ter confiado sobretudo nas condições de vida, ou ‘meio ambiente’, como causa de mudança. Foi cauteloso a tirar conclusões, e não acreditava que as espécies existentes estejam atualmente a sofrer modificações; e, como acrescenta o seu filho, “É, portanto, um problema inteiramente reservado ao futuro, supondo mesmo que o futuro se deve ocupar dele”.

Em 1813, o Dr. William Charles Wells leu perante a Royal Society of London um trabalho sobre “uma mulher branca cuja pele se assemelha parcialmente à de um negro” [4], mas esse texto só foi publicado em 1818, no seu famoso Two Essays: upon a Single Vision with Two Eyes, the other on Dew. Neste trabalho, reconhece distintamente o princípio da seleção natural, e foi o primeiro a reconhecê-lo, mas aplica-o unicamente às raças humanas, e apenas a certos caracteres. Após comentar que os negros e os mulatos gozam de uma imunidade a certas doenças tropicais, observa, em primeiro lugar, que todos os animais tendem a variar em algum grau, e, segundo, que os agricultores aperfeiçoam os seus animais domesticados através da seleção. Depois, acrescenta: mas o que, neste último caso, é feito “por arte, parece ser feito com igual eficácia, embora mais lentamente, pela natureza, na formação de variedades da espécie humana adaptadas à região que habitam. Entre as variedades acidentais do homem, que teriam ocorrido entre os primeiros habitantes, poucos e dispersos, das regiões da África Central, alguma estaria melhor adaptada do que as restantes para suportar as doenças aí existentes. Consequentemente, esta raça multiplicar-se-ia, enquanto as outras começariam a rarear; não apenas pela sua incapacidade de resistir às doenças, mas também por não conseguirem competir com os seus vizinhos mais vigorosos. Considerando o que já foi dito, acredito que a cor desta raça vigorosa fosse escura. No decurso do tempo, continuando a existir a mesma disposição para formar variedades, surgiriam raças cada vez mais escuras; e como a mais escura estaria melhor adaptada ao clima, tornar-se-ia, a longo prazo, a raça predominante, senão mesmo a única, na região particular onde teve origem”. Em seguida, estende estas mesmas considerações aos habitantes brancos dos climas mais frios. Estou em dívida para com Robert Rowley, dos Estados Unidos da América, por ter chamado a minha atenção, através de Charles Brace, para esta passagem do trabalho do Dr. Wells.

No quarto volume de Horticultural Transactions, publicado em 1822, e na obra Amaryllidaceae, an attempt to arrange the Monocotyledonous Orders (1837), o venerável reverendo William Herbert, mais tarde deão de Manchester, declara que “as experiências de horticultura estabeleceram, sem possibilidade de refutação, que as espécies botânicas são apenas uma classe de variedades superior e mais permanente”. Estende a mesma teoria aos animais; e acredita que foram criadas espécies individualizadas de cada gênero num estado originalmente muito plástico, as quais produziram, sobretudo por cruzamento, mas também por variação, todas as nossas espécies existentes.

Em 1826, no parágrafo de conclusão do seu famoso ensaio sobre o gênero Spongilla (Edinburgh Philosophical Journal, vol. XIV) o Professor Robert Grant declara claramente a sua crença em que as espécies são descendentes de outras espécies e que se aperfeiçoam no curso das suas modificações. Volta a expor esta mesma posição em 1834, na sua 55ª Palestra, publicada na revista The LaEm 1831, Patrick Matthew publicou Naval Timber and Arboriculture, onde expõe precisamente a mesma teoria sobre a origem das espécies que Alfred Russel Wallace e eu próprio apresentamos no Linnean Journal, e que é desenvolvida no presente volume. Infelizmente, Matthew expôs o seu ponto de vista de forma muito breve, em passagens dispersas num apêndice de um trabalho sobre um assunto totalmente diferente, pelo que passou despercebida até ao momento em que o próprio Matthew chamou à sua atenção no Gardeners’ Chronicle de 7 de Abril de 1860. As diferenças entre a teoria de Matthew e a minha não são muito relevantes. Matthew parece considerar que o mundo foi quase despovoado em períodos sucessivos, e depois reocupado; e propõe, como alternativa, que novas formas podem ser geradas “sem um qualquer molde ou germe de combinações anteriores.” Creio não ter entendido algumas passagens da sua exposição, mas parece atribuir muita importância à ação direta das condições de vida. No entanto, percebeu claramente todo o poder do princípio da seleção natural.

Na excelente obra Description Physique des Isles Canaries (1836), o célebre geólogo e naturalista Léopold von Buch exprime nitidamente a sua crença em que as variedades se transformam lentamente em espécies permanentes, que deixam de ser capazes de se cruzarem.

Constantine Rafinesque, na sua New Flora and Botany of North America, publicada em 1836, escreveu: “Todas as espécies podem outrora ter sido variedades, e muitas variedades estão gradualmente a tornar-se espécies, ao assumirem caracteres constantes e peculiares”. Mas acrescenta mais à frente: “exceto os tipos originais ou antepassados do gênero”.

Entre 1843 e 1844, o Professor Samuel Haldeman (Boston Journal of Natural History, E.U.A. vol. IV) expôs habilmente os argumentos pró e contra a hipótese do desenvolvimento e da modificação das espécies; e parecia pender para o lado da variabilidade.

A obra Vestiges of Creation surgiu em 1844. Na décima edição (1853), muito melhorada, o autor anônimo [5] diz: “Após muita consideração, a proposição que foi determinada é a de que as várias séries de seres animados, desde o mais simples e mais antigo ao mais evoluído e mais recente, são, sob providência Divina, o resultado: primeiro, de um impulso que foi transmitido às formas de vida, fazendo-as avançar por geração, em tempos definidos, através de graus de organização que culminam nas dicotiledôneas e nos vertebrados superiores, sendo estes graus escassos e geralmente marcados por intervalos de caráter orgânico, o que consideramos ser uma dificuldade prática na aferição das afinidades; segundo, de outro impulso relacionado com as forças vitais, e que tende a modificar as estruturas orgânicas, ao longo das gerações, de acordo com circunstâncias exteriores, como os alimentos, a natureza do habitat e os agentes meteóricos, sendo estes as ‘adaptações’ do teólogo natural”. Aparentemente, o autor acredita que a organização progride por saltos repentinos, mas que os efeitos produzidos pelas condições de vida são graduais. Argumenta com muita força que as espécies não são produções imutáveis, baseando-se em considerações gerais, mas não consigo perceber como é que os dois supostos ‘impulsos’ explicam de forma científica as numerosas e belas coadaptações que vemos em toda a natureza; não consigo ver de que modo esta teoria ajuda, por exemplo, a compreender de que modo um pica-pau se adaptou aos seus hábitos de vida peculiares. Apesar de, nas primeiras edições, revelar poucos conhecimentos rigorosos e uma grande falta de prudência científica, esta obra foi imediatamente amplamente divulgada, devido ao seu estilo poderoso e brilhante. Na minha opinião, prestou um excelente serviço, chamando a atenção para o assunto, removendo preconceitos, e preparando, assim, o terreno para a recepção de ideias análogas.

Em 1846, Jean Baptiste d’Omalius d’Halloy, geólogo veterano, publica um excelente artigo, apesar de curto, nos Bulletins de l’Academie Royale de Bruxelles (tomo XIII), onde refere que é da opinião que é mais provável que espécies novas tenham sido produzidas por descendência com modificações do que tenham sido criadas separadamente. D’Halloy divulgou este ponto de vista pela primeira vez em 1831.

Em 1849, o Professor Richard Owen escreveu o seguinte na sua obra On The Nature of Limbs: “A ideia arquetípica manifestou-se neste planeta através de modificações diversas, muito antes da existência dessas espécies animais que a representam. Mas ainda desconhecemos as leis naturais ou as causas secundárias a que podem ter estado submetidas a sucessão regular e progressão de tais fenômenos orgânicos”. Em 1858, na sua alocução perante a British Association, fala do “axioma da operação contínua do poder criativo, ou do devir preordenado das coisas vivas”. Mais à frente, após referir a distribuição geográfica, acrescenta: “Este fenômeno abala a nossa confiança na conclusão de que o Apteryx da Nova Zelândia e o lagópode-escocês de Inglaterra foram criações distintas feitas naquelas e para aquelas ilhas. Também convirá ter sempre em mente que com a palavra ‘criação’, o zoólogo quer dizer ‘um processo que desconhece’”. Reforça esta ideia ao acrescentar que quando “um zoólogo enumera casos como o do lagópode-escocês a título de prova da criação distinta da ave naquelas e para aquelas ilhas, está sobretudo a expressar que desconhece o modo como o lagópode-escocês foi ali parar, e exclusivamente ali; e está também a revelar, através desta expressão da sua ignorância, a sua crença em que tanto a ave como as ilhas devem a sua origem a uma grande Causa Criativa primordial”. Se relacionarmos as diferentes frases da sua intervenção, ficamos com a sensação de que este eminente naturalista, em 1858, sentiu abalada a sua confiança na ideia que defende que o Apteryx e o lagópode-escocês surgiram originalmente nas suas respectivas regiões, pois “não sabia como”, ou teria sido por um processo “que ele desconhecia”.

Nas palestras que proferiu em 1850 (das quais foi publicado um resumo na Revue et Magasin de Zoologie, em Janeiro de 1851), Isidore Geoffroy Saint-Hilaire explica brevemente a sua razão para acreditar que “são fixados caracteres específicos para cada espécie, enquanto se perpetuar no seio das mesmas circunstâncias: se as circunstâncias ambientais se alterarem, os caracteres também se modificam”. “Em resumo, a observação dos animais selvagens já demonstra a variabilidade limitada das espécies. Demonstram-no ainda mais claramente as experiências sobre os animais selvagens que foram domesticados e sobre os animais domésticos que se assilvestraram. Estas mesmas experiências provam ainda que as diferenças produzidas podem ser de valor genérico.” Isidore aumenta a abrangência destas afirmações em conclusões análogas, que apresenta na sua História Natural Geral (1859, tomo II).

Uma circular mais recente sugere que, em 1851, o Dr. Henry Freke, (Dublin Medical Press), propunha a doutrina de que todos os seres vivos descendem de uma forma primordial. As bases da sua crença e do seu tratamento do tema são totalmente diferentes das minhas; mas, como o Dr. Freke publicou recentemente (1861) o seu ensaio intitulado The Origin of Species by means of Organic Afinity, a difícil tentativa de explicar as suas teorias seria totalmente supérflua da minha parte.

Num ensaio originalmente publicado no Leader em Março de 1852, e republicado em Essays, em 1858, Herbert Spencer contrapôs com notável força e habilidade as teorias da Criação e do Desenvolvimento dos seres vivos. Baseado na analogia das produções domésticas, nas transformações por que passam os embriões de muitas espécies, na dificuldade de distinguir entre espécies e variedades e no princípio de gradação geral, argumenta que as espécies foram modificadas; e atribui a modificação à alteração das circunstâncias. Este autor (1855) também abordou a psicologia segundo o princípio da necessária aquisição gradual de cada faculdade e capacidade mental.

Em 1852, num admirável artigo sobre a origem das espécies (Revue Horticole, depois parcialmente republicado no tomo I de Nouvelles Archives du Muséum), Charles Naudin, um ilustre botânico, afirmou expressamente acreditar que as espécies são formadas de maneira análoga à das variedades cultivadas, atribuindo este último processo ao poder da seleção feita pelo homem. Mas ele não demonstra como é que a seleção age no estado selvagem. Acredita, como Herbert, que as espécies eram mais plásticas quando eram incipientes do que são atualmente; e atribui um certo valor ao que chama o princípio da finalidade, “potência misteriosa indeterminada; fatalidade para uns, para outros vontade providencial cuja ação incessante sobre os seres vivos determina, em todas as épocas da existência do mundo, a forma, o volume e a duração de cada um deles, em função do seu destino na ordem das coisas da qual fazem parte. É esta potência que harmoniza cada membro com o conjunto, apropriando-o à função que deve desempenhar no organismo geral da natureza, função que é, para si, a sua razão de ser”. [6]

Em 1853, um célebre geólogo, o Conde Hermann Keyserling, sugeriu (Bulletin de la Societé de Geologie, 2ª série, tomo X) que, tal como surgiram e se disseminaram pelo mundo novas doenças que se supõem terem sido causadas por algum miasma, também em certos períodos os germes das espécies existentes podem ter sido quimicamente afetados por moléculas circum ambientais de natureza particular, e assim terem originado novas formas.

Nesse mesmo ano, 1853, o Dr. Hermann Schaaffhausen publicou um excelente panfleto (Verhandlung des naturhistorischen Vereins der preußischen Rheinlande und Westphalens), onde defende o desenvolvimento progressivo de formas orgânicas na Terra. Infere que, durante longos períodos, muitas espécies se mantiveram verdadeiras, enquanto algumas outras se modificaram. Explica a distinção de espécies através da destruição de formas graduadas intermédias. “Assim, as plantas e os animais existentes não estão separados dos extintos por novas criações, mas devem antes ser considerados como seus descendentes através de reprodução continuada.”.

Um conhecido botânico francês, Henri Lecoq, escreve em 1854: “Vemos que as nossas investigações sobre a fixidez ou a variação da espécie nos conduzem diretamente às ideias de dois homens justamente célebres, Geoffroy Saint-Hilaire e Goethe” (Etudes sur Géographie Botanique, tomo I). Algumas outras passagens, dispersas pelo seu extenso trabalho, impedem-nos de ter certeza sobre até que ponto Lecoq leva as suas teorias acerca da modificação das espécies.

A ‘filosofia da Criação’ foi tratada de maneira magistral pelo reverendo Baden Powell, nos seus Essays on the Unity of Worlds, em 1855. Nada pode ser mais impressionante que a maneira como demonstra que a introdução de novas espécies é “um fenômeno regular, e não casual” ou, como exprime Sir John Herschel, “um processo natural, em contraposição a um processo miraculoso”.

Como já tinha referido na introdução desta obra, Wallace expõe com admirável força e clareza a teoria da seleção natural defendida por ele e por mim nos artigos que publicamos no terceiro volume do Journal of the Linnean Society, e que foram apresentados em 1 de Julho de 1858 [7]).

Por volta do ano 1859 (ver Professor Rudolph Wagner, Zoologisch- Anthropologische Untersuchungen, 1861), baseado sobretudo nas leis da distribuição geográfica, Karl Ernst von Baer, por quem todos os zoólogos sentem tanto respeito, exprimiu a sua convicção de que formas que hoje são perfeitamente distintas descendem de uma única forma parental.

Em Junho de 1859, o Professor Thomas Huxley deu uma palestra perante a Royal Institution, sob o título On the Persistent Types of Animal Life. Quanto a esses tipos persistentes da vida animal, observa: “É difícil apreender o significado de fatos como estes, se supusermos que cada espécie de animais, ou de plantas, ou cada grande tipo de organização, foram formados e colocados sobre a superfície da Terra a intervalos longos, por um ato distinto de poder criativo; e faz sentido lembrar que tal assunção é tão desapoiada pela tradição ou revelação, como é oposta à analogia geral da natureza. Se, por outro lado, considerarmos os ‘tipos persistentes’ à luz da hipótese que supõe que as espécies existentes num qualquer período são o resultado da modificação gradual de espécies preexistentes – hipótese que, apesar de não estar provada e de ter sido tristemente desacreditada por alguns dos seus apoiantes, é, ainda assim, a única a que a fisiologia atribui algum valor; a existência destes tipos persistentes pareceria demonstrar que a quantidade de modificações por que passaram os seres vivos durante o tempo geológico é muito pequena relativamente à série total de mudanças atravessada por esses tipos”.

Em Dezembro de 1859, o Dr. Joseph Hooker publicou a sua Introduction to the Australian Flora. Na primeira parte deste grande trabalho, admite a verdade da descendência e modificação das espécies, e apoia esta doutrina com muitas observações originais.

A primeira edição da presente obra foi publicada em 24 de Novembro de 1859, e a segunda em 7 de Janeiro de 1860.



[1] Na sua obra Physicae Auscultationes (livro 2, cap. 8), depois de observar que a chuva não cai para fazer crescer o milho, tal como não o faz para o estragar quando o agricultor está a fazer a sua desfolhada ao ar livre, Aristóteles aplica o mesmo argumento aos organismos; e acrescenta (segundo tradução de Clair James Grece, que foi quem primeiro me indicou a passagem): “Portanto, o que é que impede as diferentes partes (do corpo) de terem esta relação meramente acidental na natureza? Como os dentes, por exemplo, que crescem por necessidade – os da frente afiados, adaptados para dividir, e os molares planos, para mastigar a comida –, pois não foram formados em função deste propósito, mas resultado de acidente. E o mesmo quanto às outras partes que parecem estar adaptadas para um determinado propósito. Assim, sempre que todas as coisas juntas (isto é, todas as partes de um todo) ocorreram como se tivessem sido feitas em função de alguma coisa, foram preservadas, tendo sido apropriadamente constituídas por uma espontaneidade interna; ao passo que quaisquer coisas que não tenham sido assim constituídas pereceram e continuam a perecer.” Vislumbramos aqui o princípio da seleção natural, mas os apontamentos de Aristóteles sobre a formação dos dentes demonstram quão pouco ele o compreendeu.
[2] Referem-se em português apenas os títulos das obras de que se conhece tradução portuguesa. Charles Darwin refere o número da página a que corresponde a maioria das citações, mas não dispomos das edições que se refere, pelo que foram eliminadas essas referências (N. da T.).
[3] Retirei a data da primeira publicação de Lamarck da excelente obra de Isidore Geoffroy Saint-Hilaire sobre este assunto (1859, Histoire Naturelle Générale, tomo II). Neste trabalho, são integralmente descritas as conclusões de Buffon sobre o mesmo tema. É curioso como em Zoonomia (vol. I), publicada em 1794, o meu avô, Dr. Erasmus Darwin, antecipou as teorias e os pressupostos errôneos de Lamarck. Segundo Isidore Geoffroy, não há dúvida que Goethe era um partidário extremo de teorias similares, como demonstrado na introdução a um trabalho escrito em 1794 e 1795, mas que não foi publicado senão muito tempo depois. Goethe observou explicitamente (Goethe als Naturforscher, do Dr. Karl Meding) que, para os naturalistas, a questão futura seria, por exemplo, como é que os bois obtiveram os seus chifres, e não para que são usados. Que Goethe, na Alemanha, o Dr. Darwin, na Inglaterra, e Geoffroy Saint-Hilaire, em França, tenham chegado à mesma conclusão sobre a origem das espécies nos anos 1794 e 1795 é um exemplo bastante singular de como teorias similares podem surgir mais ou menos simultaneamente.
[4] Nome do artigo: An Account of a Female of the White Race of Mankind, Part of Whose Skin Resembles That of a Negro; With Some Observations on the Causes of the Differences in Colour and Form between the White and Negro Races of Men (N. da T.).
[5] Hoje sabe-se que foi Robert Chambers. O título completo do livro é Vestiges of the Natural History of Creation (N. da T.).
[6] A partir de referências na monografia de Heinrich Georg Bronn, Untersuchungen über die Entwickelungs-Gesetze, parece que o célebre botânico e paleontólogo Franz Unger publicou, em 1852, a sua crença no desenvolvimento e na modificação das espécies. Também Eduard d’Alton exprimiu uma crença similar num trabalho sobre preguiças fósseis, escrita em colaboração com Christian Pander em 1821. Como é bem sabido, Lorenz Oken defendeu uma posição semelhante na sua obra mística, Natur-Philosophie. Tendo em conta outras referências retiradas do trabalho de Dominique Godron, Sur l’Espèce, parece que Bory de Saint-Vincent, Karl Burdach, Jean-Louis Marie Poiret, e Elias Magnus Fries, admitiram, todos eles, que estão continuamente a ser produzidas espécies novas. Posso acrescentar que, dos 34 autores nomeados nesta ‘resenha histórica’, que acreditam na modificação das espécies, ou que pelo menos não creem em atos separados de criação, 27 escreveram sobre ramos específicos da História Natural ou da Geologia.
[7] On the Tendency of Species to form Varieties; and on the Perpetuation of Varieties and Species by Natural Means of Selection é o título da apresentação conjunta dos artigos On The Tendency of Varieties to Depart Indefinitely from the Original Type, de Wallace, e Extract from an Unpublished Work on Species, de Darwin (N. da T.).

Traçarei aqui um breve esboço acerca do progresso da opinião sobre a origem das espécies. Muito recentemente, a grande maioria dos naturalistas ainda acreditava que as espécies eram produções imutáveis e tinham sido criadas separadamente. Esta teoria foi habilmente sustentada por muitos autores. Por outro lado, alguns naturalistas acreditavam que as espécies sofrem modificações, e que as formas de vida existentes são descendentes de formas preexistentes por geração ordinária (sexuada). Se pusermos de lado as alusões feitas pelos escritores clássicos [1], o primeiro autor que tratou este assunto com um espírito científico nos tempos modernos foi George-Louis Leclerc, Conde de Buffon. Mas, como as suas opiniões variaram muito em períodos diferentes, e como ele não se refere às causas nem aos meios de transformação das espécies, não necessito de entrar aqui em detalhes sobre os seus pontos de vista.

Jean-Baptiste Lamarck foi o primeiro a despertar grande atenção para o assunto, devido às conclusões a que chegou. Este naturalista, merecidamente célebre, publicou as suas teorias pela primeira vez em 1801. Desenvolveu-as bastante em 1809, na sua Filosofia Zoológica [2], mais tarde, em 1815, na introdução à sua Histoire Naturelle des Animaux sans Vertèbres. Nestas obras, sustenta a doutrina de que todas as espécies, incluindo o homem, descendem de outras espécies. Foi o primeiro a prestar o eminente serviço de chamar a atenção para a probabilidade de todas as mudanças no mundo orgânico, tal como no inorgânico, resultarem de uma lei, e não de uma intervenção miraculosa. Lamarck parece ter sido conduzido à conclusão de que as espécies se modificam gradualmente, principalmente pelos seguintes motivos: a dificuldade em distinguir espécies e variedades; a quase perfeita gradação de formas em certos grupos; e a analogia das produções domésticas. No que respeita aos meios de modificação, atribuiu alguma importância à ação direta das condições físicas de vida e ao cruzamento das formas já existentes, e muita importância ao uso e ao desuso, ou seja, aos efeitos do hábito. O autor parecia atribuir a esta última causa todas as belas adaptações na natureza, como o longo pescoço da girafa, que lhe permite ‘pastar’ nos ramos das árvores. Mas acreditava igualmente numa lei do desenvolvimento progressivo; assim, todas as formas de vida tendem a progredir, e Lamarck tenta justificar a existência atual de seres vivos simples afirmando que estas formas são criadas por geração espontânea [3].

Como consta da sua biografia, La Vie d’Étienne Geoffroy Saint-Hilaire, escrita pelo seu filho, já em 1795 Geoffroy suspeitava que aquilo a que chamamos espécies são várias degenerações do mesmo tipo. Contudo, só em 1828 publicou a sua convicção de que as mesmas formas não tinham sido perpetuadas desde a origem de todas as coisas. Geoffroy parece ter confiado sobretudo nas condições de vida, ou ‘meio ambiente’, como causa de mudança. Foi cauteloso a tirar conclusões, e não acreditava que as espécies existentes estejam atualmente a sofrer modificações; e, como acrescenta o seu filho, “É, portanto, um problema inteiramente reservado ao futuro, supondo mesmo que o futuro se deve ocupar dele”.

Em 1813, o Dr. William Charles Wells leu perante a Royal Society of London um trabalho sobre “uma mulher branca cuja pele se assemelha parcialmente à de um negro” [4], mas esse texto só foi publicado em 1818, no seu famoso Two Essays: upon a Single Vision with Two Eyes, the other on Dew. Neste trabalho, reconhece distintamente o princípio da seleção natural, e foi o primeiro a reconhecê-lo, mas aplica-o unicamente às raças humanas, e apenas a certos caracteres. Após comentar que os negros e os mulatos gozam de uma imunidade a certas doenças tropicais, observa, em primeiro lugar, que todos os animais tendem a variar em algum grau, e, segundo, que os agricultores aperfeiçoam os seus animais domesticados através da seleção. Depois, acrescenta: mas o que, neste último caso, é feito “por arte, parece ser feito com igual eficácia, embora mais lentamente, pela natureza, na formação de variedades da espécie humana adaptadas à região que habitam. Entre as variedades acidentais do homem, que teriam ocorrido entre os primeiros habitantes, poucos e dispersos, das regiões da África Central, alguma estaria melhor adaptada do que as restantes para suportar as doenças aí existentes. Consequentemente, esta raça multiplicar-se-ia, enquanto as outras começariam a rarear; não apenas pela sua incapacidade de resistir às doenças, mas também por não conseguirem competir com os seus vizinhos mais vigorosos. Considerando o que já foi dito, acredito que a cor desta raça vigorosa fosse escura. No decurso do tempo, continuando a existir a mesma disposição para formar variedades, surgiriam raças cada vez mais escuras; e como a mais escura estaria melhor adaptada ao clima, tornar-se-ia, a longo prazo, a raça predominante, senão mesmo a única, na região particular onde teve origem”. Em seguida, estende estas mesmas considerações aos habitantes brancos dos climas mais frios. Estou em dívida para com Robert Rowley, dos Estados Unidos da América, por ter chamado a minha atenção, através de Charles Brace, para esta passagem do trabalho do Dr. Wells.

No quarto volume de Horticultural Transactions, publicado em 1822, e na obra Amaryllidaceae, an attempt to arrange the Monocotyledonous Orders (1837), o venerável reverendo William Herbert, mais tarde deão de Manchester, declara que “as experiências de horticultura estabeleceram, sem possibilidade de refutação, que as espécies botânicas são apenas uma classe de variedades superior e mais permanente”. Estende a mesma teoria aos animais; e acredita que foram criadas espécies individualizadas de cada gênero num estado originalmente muito plástico, as quais produziram, sobretudo por cruzamento, mas também por variação, todas as nossas espécies existentes.

Em 1826, no parágrafo de conclusão do seu famoso ensaio sobre o gênero Spongilla (Edinburgh Philosophical Journal, vol. XIV) o Professor Robert Grant declara claramente a sua crença em que as espécies são descendentes de outras espécies e que se aperfeiçoam no curso das suas modificações. Volta a expor esta mesma posição em 1834, na sua 55ª Palestra, publicada na revista The LaEm 1831, Patrick Matthew publicou Naval Timber and Arboriculture, onde expõe precisamente a mesma teoria sobre a origem das espécies que Alfred Russel Wallace e eu próprio apresentamos no Linnean Journal, e que é desenvolvida no presente volume. Infelizmente, Matthew expôs o seu ponto de vista de forma muito breve, em passagens dispersas num apêndice de um trabalho sobre um assunto totalmente diferente, pelo que passou despercebida até ao momento em que o próprio Matthew chamou à sua atenção no Gardeners’ Chronicle de 7 de Abril de 1860. As diferenças entre a teoria de Matthew e a minha não são muito relevantes. Matthew parece considerar que o mundo foi quase despovoado em períodos sucessivos, e depois reocupado; e propõe, como alternativa, que novas formas podem ser geradas “sem um qualquer molde ou germe de combinações anteriores.” Creio não ter entendido algumas passagens da sua exposição, mas parece atribuir muita importância à ação direta das condições de vida. No entanto, percebeu claramente todo o poder do princípio da seleção natural.

Na excelente obra Description Physique des Isles Canaries (1836), o célebre geólogo e naturalista Léopold von Buch exprime nitidamente a sua crença em que as variedades se transformam lentamente em espécies permanentes, que deixam de ser capazes de se cruzarem.

Constantine Rafinesque, na sua New Flora and Botany of North America, publicada em 1836, escreveu: “Todas as espécies podem outrora ter sido variedades, e muitas variedades estão gradualmente a tornar-se espécies, ao assumirem caracteres constantes e peculiares”. Mas acrescenta mais à frente: “exceto os tipos originais ou antepassados do gênero”.

Entre 1843 e 1844, o Professor Samuel Haldeman (Boston Journal of Natural History, E.U.A. vol. IV) expôs habilmente os argumentos pró e contra a hipótese do desenvolvimento e da modificação das espécies; e parecia pender para o lado da variabilidade.

A obra Vestiges of Creation surgiu em 1844. Na décima edição (1853), muito melhorada, o autor anônimo [5] diz: “Após muita consideração, a proposição que foi determinada é a de que as várias séries de seres animados, desde o mais simples e mais antigo ao mais evoluído e mais recente, são, sob providência Divina, o resultado: primeiro, de um impulso que foi transmitido às formas de vida, fazendo-as avançar por geração, em tempos definidos, através de graus de organização que culminam nas dicotiledôneas e nos vertebrados superiores, sendo estes graus escassos e geralmente marcados por intervalos de caráter orgânico, o que consideramos ser uma dificuldade prática na aferição das afinidades; segundo, de outro impulso relacionado com as forças vitais, e que tende a modificar as estruturas orgânicas, ao longo das gerações, de acordo com circunstâncias exteriores, como os alimentos, a natureza do habitat e os agentes meteóricos, sendo estes as ‘adaptações’ do teólogo natural”. Aparentemente, o autor acredita que a organização progride por saltos repentinos, mas que os efeitos produzidos pelas condições de vida são graduais. Argumenta com muita força que as espécies não são produções imutáveis, baseando-se em considerações gerais, mas não consigo perceber como é que os dois supostos ‘impulsos’ explicam de forma científica as numerosas e belas coadaptações que vemos em toda a natureza; não consigo ver de que modo esta teoria ajuda, por exemplo, a compreender de que modo um pica-pau se adaptou aos seus hábitos de vida peculiares. Apesar de, nas primeiras edições, revelar poucos conhecimentos rigorosos e uma grande falta de prudência científica, esta obra foi imediatamente amplamente divulgada, devido ao seu estilo poderoso e brilhante. Na minha opinião, prestou um excelente serviço, chamando a atenção para o assunto, removendo preconceitos, e preparando, assim, o terreno para a recepção de ideias análogas.

Em 1846, Jean Baptiste d’Omalius d’Halloy, geólogo veterano, publica um excelente artigo, apesar de curto, nos Bulletins de l’Academie Royale de Bruxelles (tomo XIII), onde refere que é da opinião que é mais provável que espécies novas tenham sido produzidas por descendência com modificações do que tenham sido criadas separadamente. D’Halloy divulgou este ponto de vista pela primeira vez em 1831.

Em 1849, o Professor Richard Owen escreveu o seguinte na sua obra On The Nature of Limbs: “A ideia arquetípica manifestou-se neste planeta através de modificações diversas, muito antes da existência dessas espécies animais que a representam. Mas ainda desconhecemos as leis naturais ou as causas secundárias a que podem ter estado submetidas a sucessão regular e progressão de tais fenômenos orgânicos”. Em 1858, na sua alocução perante a British Association, fala do “axioma da operação contínua do poder criativo, ou do devir preordenado das coisas vivas”. Mais à frente, após referir a distribuição geográfica, acrescenta: “Este fenômeno abala a nossa confiança na conclusão de que o Apteryx da Nova Zelândia e o lagópode-escocês de Inglaterra foram criações distintas feitas naquelas e para aquelas ilhas. Também convirá ter sempre em mente que com a palavra ‘criação’, o zoólogo quer dizer ‘um processo que desconhece’”. Reforça esta ideia ao acrescentar que quando “um zoólogo enumera casos como o do lagópode-escocês a título de prova da criação distinta da ave naquelas e para aquelas ilhas, está sobretudo a expressar que desconhece o modo como o lagópode-escocês foi ali parar, e exclusivamente ali; e está também a revelar, através desta expressão da sua ignorância, a sua crença em que tanto a ave como as ilhas devem a sua origem a uma grande Causa Criativa primordial”. Se relacionarmos as diferentes frases da sua intervenção, ficamos com a sensação de que este eminente naturalista, em 1858, sentiu abalada a sua confiança na ideia que defende que o Apteryx e o lagópode-escocês surgiram originalmente nas suas respectivas regiões, pois “não sabia como”, ou teria sido por um processo “que ele desconhecia”.

Nas palestras que proferiu em 1850 (das quais foi publicado um resumo na Revue et Magasin de Zoologie, em Janeiro de 1851), Isidore Geoffroy Saint-Hilaire explica brevemente a sua razão para acreditar que “são fixados caracteres específicos para cada espécie, enquanto se perpetuar no seio das mesmas circunstâncias: se as circunstâncias ambientais se alterarem, os caracteres também se modificam”. “Em resumo, a observação dos animais selvagens já demonstra a variabilidade limitada das espécies. Demonstram-no ainda mais claramente as experiências sobre os animais selvagens que foram domesticados e sobre os animais domésticos que se assilvestraram. Estas mesmas experiências provam ainda que as diferenças produzidas podem ser de valor genérico.” Isidore aumenta a abrangência destas afirmações em conclusões análogas, que apresenta na sua História Natural Geral (1859, tomo II).

Uma circular mais recente sugere que, em 1851, o Dr. Henry Freke, (Dublin Medical Press), propunha a doutrina de que todos os seres vivos descendem de uma forma primordial. As bases da sua crença e do seu tratamento do tema são totalmente diferentes das minhas; mas, como o Dr. Freke publicou recentemente (1861) o seu ensaio intitulado The Origin of Species by means of Organic Afinity, a difícil tentativa de explicar as suas teorias seria totalmente supérflua da minha parte.

Num ensaio originalmente publicado no Leader em Março de 1852, e republicado em Essays, em 1858, Herbert Spencer contrapôs com notável força e habilidade as teorias da Criação e do Desenvolvimento dos seres vivos. Baseado na analogia das produções domésticas, nas transformações por que passam os embriões de muitas espécies, na dificuldade de distinguir entre espécies e variedades e no princípio de gradação geral, argumenta que as espécies foram modificadas; e atribui a modificação à alteração das circunstâncias. Este autor (1855) também abordou a psicologia segundo o princípio da necessária aquisição gradual de cada faculdade e capacidade mental.

Em 1852, num admirável artigo sobre a origem das espécies (Revue Horticole, depois parcialmente republicado no tomo I de Nouvelles Archives du Muséum), Charles Naudin, um ilustre botânico, afirmou expressamente acreditar que as espécies são formadas de maneira análoga à das variedades cultivadas, atribuindo este último processo ao poder da seleção feita pelo homem. Mas ele não demonstra como é que a seleção age no estado selvagem. Acredita, como Herbert, que as espécies eram mais plásticas quando eram incipientes do que são atualmente; e atribui um certo valor ao que chama o princípio da finalidade, “potência misteriosa indeterminada; fatalidade para uns, para outros vontade providencial cuja ação incessante sobre os seres vivos determina, em todas as épocas da existência do mundo, a forma, o volume e a duração de cada um deles, em função do seu destino na ordem das coisas da qual fazem parte. É esta potência que harmoniza cada membro com o conjunto, apropriando-o à função que deve desempenhar no organismo geral da natureza, função que é, para si, a sua razão de ser”. [6]

Em 1853, um célebre geólogo, o Conde Hermann Keyserling, sugeriu (Bulletin de la Societé de Geologie, 2ª série, tomo X) que, tal como surgiram e se disseminaram pelo mundo novas doenças que se supõem terem sido causadas por algum miasma, também em certos períodos os germes das espécies existentes podem ter sido quimicamente afetados por moléculas circum ambientais de natureza particular, e assim terem originado novas formas.

Nesse mesmo ano, 1853, o Dr. Hermann Schaaffhausen publicou um excelente panfleto (Verhandlung des naturhistorischen Vereins der preußischen Rheinlande und Westphalens), onde defende o desenvolvimento progressivo de formas orgânicas na Terra. Infere que, durante longos períodos, muitas espécies se mantiveram verdadeiras, enquanto algumas outras se modificaram. Explica a distinção de espécies através da destruição de formas graduadas intermédias. “Assim, as plantas e os animais existentes não estão separados dos extintos por novas criações, mas devem antes ser considerados como seus descendentes através de reprodução continuada.”.

Um conhecido botânico francês, Henri Lecoq, escreve em 1854: “Vemos que as nossas investigações sobre a fixidez ou a variação da espécie nos conduzem diretamente às ideias de dois homens justamente célebres, Geoffroy Saint-Hilaire e Goethe” (Etudes sur Géographie Botanique, tomo I). Algumas outras passagens, dispersas pelo seu extenso trabalho, impedem-nos de ter certeza sobre até que ponto Lecoq leva as suas teorias acerca da modificação das espécies.

A ‘filosofia da Criação’ foi tratada de maneira magistral pelo reverendo Baden Powell, nos seus Essays on the Unity of Worlds, em 1855. Nada pode ser mais impressionante que a maneira como demonstra que a introdução de novas espécies é “um fenômeno regular, e não casual” ou, como exprime Sir John Herschel, “um processo natural, em contraposição a um processo miraculoso”.

Como já tinha referido na introdução desta obra, Wallace expõe com admirável força e clareza a teoria da seleção natural defendida por ele e por mim nos artigos que publicamos no terceiro volume do Journal of the Linnean Society, e que foram apresentados em 1 de Julho de 1858 [7]).

Por volta do ano 1859 (ver Professor Rudolph Wagner, Zoologisch- Anthropologische Untersuchungen, 1861), baseado sobretudo nas leis da distribuição geográfica, Karl Ernst von Baer, por quem todos os zoólogos sentem tanto respeito, exprimiu a sua convicção de que formas que hoje são perfeitamente distintas descendem de uma única forma parental.

Em Junho de 1859, o Professor Thomas Huxley deu uma palestra perante a Royal Institution, sob o título On the Persistent Types of Animal Life. Quanto a esses tipos persistentes da vida animal, observa: “É difícil apreender o significado de fatos como estes, se supusermos que cada espécie de animais, ou de plantas, ou cada grande tipo de organização, foram formados e colocados sobre a superfície da Terra a intervalos longos, por um ato distinto de poder criativo; e faz sentido lembrar que tal assunção é tão desapoiada pela tradição ou revelação, como é oposta à analogia geral da natureza. Se, por outro lado, considerarmos os ‘tipos persistentes’ à luz da hipótese que supõe que as espécies existentes num qualquer período são o resultado da modificação gradual de espécies preexistentes – hipótese que, apesar de não estar provada e de ter sido tristemente desacreditada por alguns dos seus apoiantes, é, ainda assim, a única a que a fisiologia atribui algum valor; a existência destes tipos persistentes pareceria demonstrar que a quantidade de modificações por que passaram os seres vivos durante o tempo geológico é muito pequena relativamente à série total de mudanças atravessada por esses tipos”.

Em Dezembro de 1859, o Dr. Joseph Hooker publicou a sua Introduction to the Australian Flora. Na primeira parte deste grande trabalho, admite a verdade da descendência e modificação das espécies, e apoia esta doutrina com muitas observações originais.

A primeira edição da presente obra foi publicada em 24 de Novembro de 1859, e a segunda em 7 de Janeiro de 1860.



[1] Na sua obra Physicae Auscultationes (livro 2, cap. 8), depois de observar que a chuva não cai para fazer crescer o milho, tal como não o faz para o estragar quando o agricultor está a fazer a sua desfolhada ao ar livre, Aristóteles aplica o mesmo argumento aos organismos; e acrescenta (segundo tradução de Clair James Grece, que foi quem primeiro me indicou a passagem): “Portanto, o que é que impede as diferentes partes (do corpo) de terem esta relação meramente acidental na natureza? Como os dentes, por exemplo, que crescem por necessidade – os da frente afiados, adaptados para dividir, e os molares planos, para mastigar a comida –, pois não foram formados em função deste propósito, mas resultado de acidente. E o mesmo quanto às outras partes que parecem estar adaptadas para um determinado propósito. Assim, sempre que todas as coisas juntas (isto é, todas as partes de um todo) ocorreram como se tivessem sido feitas em função de alguma coisa, foram preservadas, tendo sido apropriadamente constituídas por uma espontaneidade interna; ao passo que quaisquer coisas que não tenham sido assim constituídas pereceram e continuam a perecer.” Vislumbramos aqui o princípio da seleção natural, mas os apontamentos de Aristóteles sobre a formação dos dentes demonstram quão pouco ele o compreendeu.
[2] Referem-se em português apenas os títulos das obras de que se conhece tradução portuguesa. Charles Darwin refere o número da página a que corresponde a maioria das citações, mas não dispomos das edições que se refere, pelo que foram eliminadas essas referências (N. da T.).
[3] Retirei a data da primeira publicação de Lamarck da excelente obra de Isidore Geoffroy Saint-Hilaire sobre este assunto (1859, Histoire Naturelle Générale, tomo II). Neste trabalho, são integralmente descritas as conclusões de Buffon sobre o mesmo tema. É curioso como em Zoonomia (vol. I), publicada em 1794, o meu avô, Dr. Erasmus Darwin, antecipou as teorias e os pressupostos errôneos de Lamarck. Segundo Isidore Geoffroy, não há dúvida que Goethe era um partidário extremo de teorias similares, como demonstrado na introdução a um trabalho escrito em 1794 e 1795, mas que não foi publicado senão muito tempo depois. Goethe observou explicitamente (Goethe als Naturforscher, do Dr. Karl Meding) que, para os naturalistas, a questão futura seria, por exemplo, como é que os bois obtiveram os seus chifres, e não para que são usados. Que Goethe, na Alemanha, o Dr. Darwin, na Inglaterra, e Geoffroy Saint-Hilaire, em França, tenham chegado à mesma conclusão sobre a origem das espécies nos anos 1794 e 1795 é um exemplo bastante singular de como teorias similares podem surgir mais ou menos simultaneamente.
[4] Nome do artigo: An Account of a Female of the White Race of Mankind, Part of Whose Skin Resembles That of a Negro; With Some Observations on the Causes of the Differences in Colour and Form between the White and Negro Races of Men (N. da T.).
[5] Hoje sabe-se que foi Robert Chambers. O título completo do livro é Vestiges of the Natural History of Creation (N. da T.).
[6] A partir de referências na monografia de Heinrich Georg Bronn, Untersuchungen über die Entwickelungs-Gesetze, parece que o célebre botânico e paleontólogo Franz Unger publicou, em 1852, a sua crença no desenvolvimento e na modificação das espécies. Também Eduard d’Alton exprimiu uma crença similar num trabalho sobre preguiças fósseis, escrita em colaboração com Christian Pander em 1821. Como é bem sabido, Lorenz Oken defendeu uma posição semelhante na sua obra mística, Natur-Philosophie. Tendo em conta outras referências retiradas do trabalho de Dominique Godron, Sur l’Espèce, parece que Bory de Saint-Vincent, Karl Burdach, Jean-Louis Marie Poiret, e Elias Magnus Fries, admitiram, todos eles, que estão continuamente a ser produzidas espécies novas. Posso acrescentar que, dos 34 autores nomeados nesta ‘resenha histórica’, que acreditam na modificação das espécies, ou que pelo menos não creem em atos separados de criação, 27 escreveram sobre ramos específicos da História Natural ou da Geologia.
[7] On the Tendency of Species to form Varieties; and on the Perpetuation of Varieties and Species by Natural Means of Selection é o título da apresentação conjunta dos artigos On The Tendency of Varieties to Depart Indefinitely from the Original Type, de Wallace, e Extract from an Unpublished Work on Species, de Darwin (N. da T.).



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